Degustação de mel de abelha sem ferrão é algo bem novo, assim como quase todos os assuntos referentes às abelhas sem ferrão. No ritmo que a tecnologia da comunicação avança, hoje pode parecer inusitado pensar que um concurso de degustação de méis nativos seja um evento novo ou diferente.
Há quinze anos se fizesse uma busca na internet com o termo “abelha sem ferrão” seria possível contar nos dedos de uma mão todos os resultados obtidos, e destes selecionar um com informação significativa sobre nossas abelhas. Nessa época falar em concurso de mel de abelha sem ferrão era inimaginável.
Todas as boas ideias tem uma história, e este concurso não é diferente.
Tudo começou com um homem que teve o sonho de alçar o verdadeiro sabor do mel nacional, aquele produzido por abelhas nativas, ao seu merecido reconhecimento.
Assim, em 7/01/2009 Pedro Paulo Peixoto, primeiro presidente da AME-RIO, idealizou e teve coragem de lançar o empreendimento. Guardo até hoje a comunicação oficial do lançamento.
Prestigiado por vários produtores, a ideia do concurso ganhou corpo e passou a ser replicada em disputas de eventos regionais, simpósios, etc.
Daqueles bons tempos para cá a pressão dos produtores e do mercado tem provocado o início da regulamentação de nosso delicioso produto, cada vez mais reconhecido e requisitado pelo público, inclusive e cada vez mais, nas cozinhas goumert.
Essa edição do CONCURSO NACIONAL DE MÉIS DE ABELHAS SEM FERRÃO foi organizada sob uma regra que fosse capaz também de acompanhar estas exigências legais.
Trinta e quatro amostras inscritas, cinco categorias de conservação, seis juízes.
Céu azul, dia fresco para os padrões cariocas, o concurso transcorreu emoldurado pelo cenário verde tropical do Parque Municipal da Catacumba, localizado na Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões postais do Rio de Janeiro.
Comissão julgadora (começando à esquerda):
1. Dra. Mônika Barth - pesquisadora da FIOCRUZ
2. Chef Gourmet Flávia Quaresma - reconhecida gourmet, comandou o programa “Mesa para Dois “ no GNT
3.Prof, Álvaro Madeira – Associado e membro fundador da AME-RIO, membro das comissões julgadoras dos concursos anteriores;
4. Dra. Cristina Lorenzon - Zootecnista e professora da UFRRJ, especialista em abelhas, com ênfase em produtos e processos;
5. Dr. Rogério Marcos de Oliveira - pesquisador da UFRB;
6. Chef Paulo Abreu Lima – Mestre em cultura Alimentar, proprietário do "Fazenda Culinária" no Museu do Amanhã;
Selecionar como CAMPEÃO uma amostra de mel de abelhas nativas, com base em critérios sensoriais de melhor percepção do aroma, bouquet e sabor a vista dos padrões organolépticos do mel in natura fresco e recém coletado.
O julgamento foi precedido por uma excelente palestra do Dr. Rogério Marcos de Oliveira, que veio nos trazer informações sobre a legislação, comercialização, processos de conservação de méis e as implicações comerciais. Abordou brilhantemente esses pontos com ênfase nas questões gustativas do mel nativo perante o mercado.
No final, pediram a palavra Dra. Mônica Barth e Dra. Cristina Lorenzon, e enfatizaram duas questões levantadas na palestra: Dra. Mônica pontuou a questão da sanidade do mel e a importância das boas práticas de coleta. E Dra. Cristina Lorenzon chamou a atenção para dados significativos trazidos pelo Dr. Rogério referente especificamente a importância da conservação e recuperação do meio ambiente para obter boa produtividade.
A avaliação das amostras se deu com os jurados isolados em sala apropriada. Trabalhos iniciados, todos concentrados nas suas tarefas e responsabilidades. Posso afirmar que a sala do júri se transformou em uma grande nave.
Apertem seus cintos que a viagem pelas notas olfativas e gustativas vai começar!
Por aproximadamente quatro horas estes jurados se debruçaram sobre as amostras: cheira, degusta, sorve, memoriza...anota.
Os sentidos foram aguçados, cada detalhe observado calmamente, sem pressa.
Vira-se o frasco da amostra, observa a bolha de ar rolar em contraste ao brilho da luz, como uma lente, vai produzindo reflexos nos mais diversos tons de amarelo e dourado.
O conteúdo revela-se e parece se apresentar ao degustador:
“_ Olá eu sou um mel diferente!”.
Esse é o primeiro contato com a amostra, daí para frente inicia uma viagem que seria melhor realizada se os olhos fossem vendados e tivesse uma música ambiente.
Abrir o frasco e sentir o aroma é sempre uma emoção. Ora explosivo, ora serpentiando vagarosamente nas narinas. Ora sereno e conhecido, ora intenso e surpreendente. A viagem começa.
As sinapses olfativas se fazem com as lembranças acumuladas de nossas experiências. Nessa etapa os gourmets levam vantagem por estarem diariamente em contato com aromas e sabores.
Mas o mel é nativo e os aromas também, e não tem um brasileiro que não consiga lembrar os aromas da bala de coco, do doce de caju, do abacaxi, caqui, jaca, manjericão e de tantos outros... que vão brotando das suas lembranças de infância.
Depois deixa aquele líquido escorrer sobre a colher, sente o aroma outra vez, fecha o olho e degusta demoradamente. O sabor vai se espraiando e atingindo todas as papilas, marcando sua presença, e de novo novas sinapses se fazem.
As lembranças borbulham, e aí as surpresas...
Sabores inesperados. Ora coincidentes com o aroma, ora surpreendentes. Fortes ou serenos, persistentes ou nem tanto, mas com toda a certeza todas as 34 amostras transformam o conceito de quem experimenta.
Quem passa por esta experiência definitivamente terá um novo e exigente conceito em relação ao sabor de mel, diferente ao que o consumidor padrão tem.
Foram 34 amostras com representatividade de peso: Jataí, Mandaguari, Jupará, Tiúba, Uruçu Amarela, Nordestina, Capixaba, Cinza, Mandaçaia, Boca de Renda. Vindos de norte a sul do país, refrigerados, congelados, maturados, desumidificado e pasteurizado.
Como acompanhei todo o processo, posso assegurar que foi um julgamento difícil, longo e cansativo, mas acima de tudo surpreendente. A dificuldade pode ser debitada à individualidade e a personalidade dos sabores e aromas. E foi surpreendente, até para os mais experientes na tarefa, pela tamanha diversidade e alta qualidade das amostras.
Dr. Rogério, acostumado a juris de mel e nosso companheiro desde o primeiro concurso, ficou encantado com a quantidade de amostras participantes, e por suas entusiásticas observações durante o julgamento, entendi que conseguiu dar rumo às conclusões sobre aspectos da qualidade do mel nativo em face ao tipo de processo de conservação. Acho que a relevante quantidade de amostras, e a presença de representantes em todas as categorias permitiu que ele ponderasse melhor em suas teorias.
Nós organizadores, também estamos aprendendo a cada experiência, e junto com todos os participantes nos aprimorando, com nossos erros e acertos.
Esta 5ª edição do Concurso Nacional de Méis de Abelhas Sem Ferrão – Ame-Rio ainda conta com um levantamento fisioquímico de cada amostra, que está sendo feito pela Dra. Mônica Barth da Fiocruz e Dra. Juliana Paes da UFRRJ.
Esta pesquisa nos revelará a existência dos principais antioxidantes presentes, açucares, pólen e etc.
Apesar de não contabilizar no julgamento, será base para um importante levantamento das características peculiares do mel meliponídeo. As conclusões e trabalhos decorridos desses dados poderão contribuir para balizar regulamentos e leis, que ainda estão sendo elaboradas, afinal as leis devem reconhecer o produto nacional e não adequá-lo às características de produtos exóticos.
A disputa foi acirrada, e o grande CAMPEÃO desta 5ª Edição foi um Mel coletado de diversas caixas em Belém do Pará, de Uruçu Amarela. A meliponicultora responsável é Elisângela de Sousa Rêgo, que nos enviou uma amostra de mel maturado no seu “Meliponário do Duca”, surpreendeu a todos com o equilíbrio entre sabor/aroma, e apresentando notas sensoriais de “Vinho do Porto”.
Elisângela vai receber em casa o certificado, troféu e uma camiseta da AME-RIO. Os vencedores de cada categoria também receberão certificado e camiseta.
Tudo começou com um sonho em 2009, tempos em que se falar em degustação de mel nativo era quase um dialeto de uma tribo em extinção.
2016 vem revelar que o dialeto tem se expandido, que a tribo vem conquistando mais adeptos, e que a meliponicultura e seus maravilhosos produtos estão despertando no horizonte do mercado como a alvorada de um dia resplandecente.
PS.:
Em breve postarei o retrato de alguns participantes da lista acima, e suas caixas.
Medina